terça-feira, 28 de abril de 2009

Felizmente há Luar!




Breve Introdução

Felizmente Há Luar! recupera acontecimentos do início do século XIX, para servirem de denúncia da situação social e política dos anos 60, no século XX. O título replica a expressão do governador D. Miguel Forjaz, que, numa carta ao Intendente da Polícia, justificava com “felizmente, havia luar” a morosidade das execuções. As personagens psicologicamente densas e vivas, os comentários irónicos e mordazes, a denúncia da hipocrisia da sociedade e da defesa intransigente da sociedade e da injustiça social são características marcantes desta obra. A peça em dois actos Felizmente Há Luar!, publicada em 1961 e com a qual Sttau Monteiro ganhou o Grande Prémio de Teatro da Associação Portuguesa de Escritores, foi suprimida pela censura da ditadura. Representada pela primeira vez em 1969, em Paris, só chegaria aos palcos portugueses, em 1978 no Teatro Nacional, encenado pelo próprio autor.

Luís Sttau Monteiro: vida e obra


Luís Infante Lacerda de Sttau Monteiro nasceu em Lisboa, a 3 de Abril de 1926, menos de dois meses antes de um golpe de Estado ter posto fim à Primeira República e abrir caminho à ditadura no poder até 25 de Abril de 1974. Nascido numa rua com um nome estrangeiro (Rua Liverpool), o pequeno Luís parte para Inglaterra com dez anos de idade. Regressa em 1943, data em que o pai, embaixador Armindo Monteiro, é demitido do cargo por Salazar. Sttau volta a Lisboa com 17 anos, mas conserva sempre uma tal memória e um tal fascínio por Londres que a capital britânica será uma das duas cidades da sua vida( a outra Paris). Em Lisboa prossegue os estudos, primeiro no Colégio de Santo Tirso, donde foi expulso, e depois do Liceu Pedro Nunes. Mais tarde forma-se em Direito, tal como o pai. Parte para Londres, torna-se corredor da Fórmula 2, dedica-se à pesca; é gastrónomo reputado, casa com uma senhora inglesa, de quem se divorciará mais tarde, para voltar depois a casar com ela. Não perde o contacto com Portugal e mantém proximidade com os amigos. Um deles é José Cardoso Pires, que o incentiva a escrever aquele que é o seu primeiro livro: Um homem não chora, redigido em Milão e publicado pela Ática em 196º. No ano seguinte, publica o romance Angústia Para o Jantar, que atrairia alguma atenção do público. Em 1961, incentivado por Nikias Skapinikis, que vivia fugido à PIDE, numa casa sua, Sttau escreve a primeira peça, Felizmente Há Luar!. Esta obra teve tal êxito que já vendeu 160 mil exemplares até hoje. Este reconhecimento também foi demonstrado através da oferta Prémio da Crítica, o qual Sttau recebe na cadeia do Aljube, onde estava preso pala PIDE , por infundado envolvimento na Revolta de Beja. No mês que passou no Aljube, Sttau aproveitou para escrever a segunda peça, E Se For Rapariga Chama-se Custódia. Seguem-se todos os anos pela Primavera, 1964; O Barão, 1965, Auto do Motor Fora de Bordo, 1966, e Duas Peças em Um Acto, A Estátua e A Guerra Santa , todas de 1967, a última das quais o leva a ser preso pela PIDE, durante seis meses em Cascais. Novo aproveitamento literário feito por Sttau na prisão e eis As Mãos em Abraão Zacut, ,1968 (…) .Depois em 1971 , (…) adapta A Relíquia ,de Eça de Queirós , representada no Teatro Maria Matos ; e escreve Sua Excelência, 1971,última obra que publica antes do 25 de Abril. Por esta altura já Luís de Sttau Monteiro ingressa no Diário de Lisboa, onde se destacaria como autor das redacções da ‘Guidinha’ no suplemento “ A Mosca”, uma prosa que a censura retalhava e ele reescrevia em cima do fecho do jornal. Faria também publicidade para ganhar dinheiro e, já em 1977, publicaria Crónica Amorosa do Esperançoso Fagundes, representada pelo Grupo 4 com grande êxito. Êxito maior do que este, e mesmo do que lhe proporcionara a publicação Felizmente Há Luar!, só o teria Luís de Sttau Monteiro quando, membro do júri do programa televisivo “A Cornélia”, na segunda metade da década de 70, se tornaria uma figura familiar do país inteiro. Na televisão voltaria ainda a colaborar, já na década de 80, quer como argumentista da telenovela portuguesa Chuva na Areia, quer como autor do programa gastronómico Frei Papinhas. Passara, entretanto, a escrever quase só para a imprensa, com destaque para O Jornal, onde, sempre com o pseudónimo de Manuel Pedrosa, manteria, durante algum tempo, uma crónica gastronómica e publicaria novas redacções da ‘Guidinha’. Ultimamente, já sob o seu próprio nome, escrevia no Diário de Notícias sobre gastronomia entendida numa perspectiva histórica. No final, Sttau mostrou desejo de partir para Paris, mas acabou por falecer em Lisboa em 1993.

Contextualização

Felizmente Há Luar! tem como cenário o ambiente político dos inícios do século XIX: em 1817, uma conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que pretendia o regresso do Brasil do rei D. João VI e que se manifestava contrária à presença inglesa, foi descoberta e reprimida com muita severidade: os conspiradores, acusados de traição à pátria, foram queimados publicamente e Lisboa foi convidada a assistir. Sttau Monteiro marca uma posição, pelo conteúdo, fortemente ideológico, e denuncia a opressão vivida na época em que escreveu a obra (1961), sob a ditadura de Salazar. O recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no início do século XIX em que decorre a acção permitiu-lhe, assim, colocar também em destaque as injustiças do seu tempo e a necessidade de lutar pela liberdade.


LINGUAGEM E ESTILO

Linguagem:
- natural, viva e maleável, utilizada como marca caracterizadora e individualizadora de algumas das personagens.
- uso de frases em latim com conotação irónica, por aparecerem no momento da condenação e da execução
- frases incompletas por hesitação ou interrupção
- marcas características do discurso oral
- recurso frequente à ironia e sarcasmo

Recursos estilísticos: enorme variedade (tomar especial atenção à ironia) .

Funções da linguagem:
apelativa (frase imperativa);
informativa (frase declarativa);
emotiva [frase exclamativa, reticências, anacoluto (frases interrompidas)];
metalinguística

Marcas da linguagem e estilo: provérbios, expressões populares, frases sentenciosas.


TEXTO PRINCIPAL: As falas das personagens.
TEXTO SECUNDÁRIO: as didascálias/indicações cénicas (têm um papel crucial na peça).



Paralelismo histórico

Felizmente há luar! é uma peça através da qual o seu autor denuncia o totalitarismo e a violência de Estado, estabelecendo um paralelismo histórico com o período que antecede o Liberalismo. com efeito, o discurso implicito, ao longo da peça, é um discurso duro, de critíca e de análise, sobre um país isolado, ostracizado pela classe dirigente, miserável no ser e no sentir das suas gentes.

1817
Regime absoluto Anti-liberalismo e nacionalismo
Existência da Censura levada a cabo pela Inquisição
Exploração das classes mais baixas que viviam na ignorância
Grande contraste entre os poderosos e o povo que vivia na miséria
Sociedade rural, atrasada em relação à Europa
A guerra com os exércitos napoleónicos ainda está presente na memória do povo
Forças repressoras: polícia
Os que se opunham ao governo eram presos e condenados injustamente
O povo e alguns militares portugueses, conscientes da situação em que viviam, tentavam derrubar o governo
Do Conselho de Regência faziam parte membros da Igreja
A Regência assentava numa política maniqueísta
Quem não é por nós é contra nós
Delatores recebiam dinheiro para identificarem presumíveis conspiradores.

1834

Triunfo do Liberalismo

1961
Regime autoritário – Estado Novo
Salazar opõe-se ao liberalismo e defende o nacionalismo
Existência da Censura levada a cabo pelo Comité de Censura
Exploração das classes mais baixas; elevada taxa de analfabetismo
Grande contraste entre os poderosos e o povo que vivia na miséria Sociedade rural, atrasada em relação à Europa
Início da guerra colonial, responsável pela emigração e exílio de muitos jovens PIDE: sustentáculo do regime
A condenação sem provas levou muitos militantes anti-fascistas e intelectuais às masmorras da PIDE
Militantes anti-fascistas opõem-se à ditadura procurando mudar o regime
O regime apoiou-se na Igreja Católica
O regime salazarista assentava numa política maniqueísta
Quem não é por nós é contra nós Muitos informantes, pagos para denunciarem, ajudaram o regime.

1974

Triunfo da Democracia


Todavia, o paralelismo histórico é, também, estabelecido ao nível das personagens que, através de um processo de mitificação popular, simboliza o advento da mudança.


Gomes Freire ----- ----------------------Humberto Delgado
Prestígio e Liderança-------------------Oposição e liderança
Ausência ---------------------------------Presença
Símbolo da integridade ----------------Símbolo da mudança
É executado ------------------------------É assassinado
----------Ambos morrem em nome do Estado----------------




Acção

Felizmente Há Luar!, de Luís Sttau Monteiro, recria em dois actos: a tentativa frustrada de revolta liberal de Outubro de 1817, reprimida pelo poder absolutista do regime de Beresford e Miguel Forjaz, com o apoio da Igreja. Ao mesmo tempo, chama a atenção para as injustiças, a repressão e as perseguições políticas no tempo de Salazar, nos anos 60 do século XX(tempo de escrita).
A acção em Felizmente Há Luar! centra-se na figura do general Gomes Freire de Andrade e da sua execução: da prisão à fogueira, com descrições da perseguição dos governadores do Reino, da revolta desesperada e impotente da sua esposa e da resignação do povo que a “miséria, o medo e a ignorância” dominam. Gomes Freire de Andrade “está sempre presente embora nunca apareça, e mesmo ausente, condiciona a estrutura interna da peça e o comportamento de todas as outras personagens.
A defesa da liberdade e da justiça, atitude de rebeldia, constitui a hibris (desafio) desta tragédia. Como consequência, a prisão dos conspiradores provocará o sofrimento (páthos) das personagens e despertará a compaixão do espectador.
O crescente trágico, representado pelas diversas tentativas desesperadas para obter o perdão, acabará, em clímax, com a execução pública do general Gomes Freire e dos restantes presos.
Este desfecho trágico conduz a uma reflexão purificadora (cathársis) que os opressores pretendiam dissuasora, mas que despertou os oprimidos para os valores da liberdade e da justiça.

Caracterização das personagens

General Gomes Freire de Andrade
v Esperança do povo;
v Não aparece na peça, é só uma invocação;
v Soldado brilhante;
v Luta pela liberdade;
v Grão-mestre da Maçonaria Portuguesa;
v Líder carismático.


William Beresford
v Poderoso;
v Interesseiro;
v Calculista;
v Sarcástico e irracional;
v Representante do poder militar inglês em Portugal;
v Odiava Portugal;
v Pragmático;
v Protestante;
v Mau oficial.


D. Miguel Pereira Forjaz
v Quer condenar inocentes para evitar a revolução;
v Prepotente;
v Corrompido pelo poder;
v Vingativo;
v Visão estratégica do país;
v Não é popular;
v Representa a nobreza;
v Primo do General Gomes Freire.



Principal Sousa
v Fanático;
v Hipócrita;
v Não tem valores épicos;
v Representante do alto clero;
v Odeia os franceses;
v Não gosta de Beresford;
v Não gosta do povo devido à sua posição social.


Matilde
v Corajosa;
v Romântica:
v Inconstante (mudanças de humor);
v Contra a injustiça:
v Lutadora;
v Meia idade;
v Nasceu em Seia numa família pobre;
v Casada com o General;
v Personalidade forte;
v Mulher solitária.


Sousa Falcão
v Não foi capaz de denfender os seus ideais;
v Amigo de Gomes Freire;
v Tem como ideais “justiça” e “liberdade”;
v Está de luto pela execução do General e por ele próprio;
v Crítico (autocritica-se);


Manuel
v Denuncia a opressão;
v Papel de impotência do povo;
v O mais consciente dos populares;
v Casado com Rita;
v É pobre e vive miseravelmente;
v Crítico;
v Irónico.


Vicente
v Elemento do povo;
v Falso;
v Hipócrita;
v Interesseiro;
v Alpinista Social;
v Cúmplice do conselho de regência;
v Delactor:
v Pretende ser chefe de polícia;
v Revoltado por pertencer ao povo;
v Ambicioso;
v Traidor do povo.

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Simbologia

:::::::::::Saia Verde
- A felicidade: a prenda compradas em Paris, com o dinheiro da venda de duas medalhas do General.
- Ao escolher aquela saia para esperar o General, destaca a “alegria” do reencontro.
:::::::::::O Título/a luz/a noite/o luar
-O título surge por duas vezes ao longo da peça.
-D. Miguel salienta o efeito dissuador que aquelas execuções poderão exercer sobre todos os que discutem as ordens dos governadores.
-Na altura da execução, as últimas palavras de Matilde, são de coragem e de estímulo para que o povo se revolte contra a tirania dos governantes.
-A Luz está associada à vida, à saúde, à felicidade, enquanto a noite e as trevas se associam ao mal, à infelicidade, ao castigo, à perdição e à morte.
-A Lua, por estar privada de luz própria, na dependência do sol. A lua, é símbolo de transformação e de crescimento.
::::::::::A moeda de cinco réis
-Símbolo de desrespeito (dos mais poderosos em relação aos mais desfavorecidos) apresenta-se como represália, quase vingança, quando Manuel manda Rita dar a moeda a Matilde.
:::::::::::Os Tambores
-Símbolo da repressão, provocam o medo e prenunciam com ambiência trágica da acção.
:::::::::::Elementos Simbólicos
-Paralelismo de construção do início dos dois actos:
Os dois actos deste texto dramático começam exactamente da mesma forma, para sugerir que, após a prisão do General, a situação do povo continua exactamente na mesma, se não mesmo pior, pois com a prisão de Gomes Freire, o povo perde até a esperança.
-O título:
Felizmente Há Luar! A expressão é primeiro usada por D. Miguel que, devido às execuções prolongadas, se alegra por haver luar, de modo a concretizar o castigo que acredita que purificará a sociedade e irá dissuadir outros conspiradores. As mesmas palavras, são depois usadas por Matilde e servem de estímulo para que o povo se revolte contra a tirania dos governantes; para Matilde os heróis amedrontam os poderosos mas tornam-se uma espécie de luz para que outros, seguindo-lhes o exemplo, lutem pela liberdade. É de notar que neste texto a escuridão nunca é total, porque pretende ensinar-se que há sempre esperança.

Didascálias e notas à margem

Na peça Felizmente Há Luar! existem dois tipos de texto secundário: as notas à margem e as didascálias (em itálico). Nestes dois tipos de texto secundário, o autor apresenta informações explicativas acerca do tom utilizado pelas personagens, os gestos, os movimentos. As notas à margem apresentam ainda esclarecimentos sobre afirmações de personagens. As didascálias estão sobretudo dirigidas acerca de: sonoridades, entrada e saída de personagens, iluminação, guarda–roupa, decoração/mobiliário, posições, interlocutor, pausas e tipo de discurso.
Tanto as didascálias como as notas à margem são de grande importância para a encenação, para a direcção dos actores e também dos leitores que, deste modo, se apercebem claramente do objectivo final dum texto dramático: a representação.